sábado, 7 de fevereiro de 2009

Quem são os vilões na crise financeira mundial?

Michael Prest*
Quando estoura uma crise financeira, geralmente há um ímpeto de identificar os perpetradores e fazê-los sofrer. Permitir a ruína dos especuladores parece algo tão justo quanto satisfatório. Os mercados dão e os mercados tiram. Mas a crise de crédito que envolveu recentemente os mercados financeiros é uma lição da complexidade da gestão do mercado: se você não intervir, há o risco de lesar o mercado como um todo e prejudicar tanto os inocentes quanto os culpados; se socorrer os especuladores, há o risco de encorajá-los a um comportamento mais temerário da próxima vez - o que é conhecido no setor como "risco moral".Certamente o mais recente drama do capitalismo conta com abundância de vilões. A trama é mais ou menos esta. Entre 2001 e 2006, os Estados Unidos experimentaram um boom imobiliário alimentado pelas baixas taxas de juros. O mito dos preços em constante elevação tentou especuladores e pessoas com histórico dúbio de crédito a se voltarem em massa ao mercado. Os bancos e corretores hipotecários ficaram felizes em atendê-los. Há seis meses, no auge do mercado, o valor das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos era de US$ 1,3 trilhão, ou 13% de todas as hipotecas.


Final do pregão na Bolsa de NY em junho, quando o Dow Jones ultrapassou 14.000 pontosOs emprestadores venderam os títulos hipotecários para bancos de investimento, onde modelos matemáticos os dividiam e reagrupavam como novos investimentos "estruturados" com retornos atraentes e -supostamente - de baixo risco. As agências de "rating" (classificação de risco) deram a estes investimentos ratings de crédito otimistas. Os bancos de investimento então os venderam para clientes como fundos hedge, que financiaram suas operações levantando dinheiro (freqüentemente junto aos mesmos bancos de investimento) por meio de emissão de títulos a curto prazo apoiados por seus ativos de títulos hipotecários reagrupados.Todos estavam alegremente alimentando os negócios da Veuve Clicquot e Versace até que as taxas de juros americanas subiram e os preços dos imóveis pararam de subir. O pagamento das hipotecas começou a deixar de ser feito. Como eram a fonte de renda que financiava os instrumentos, que a esta altura já tinham mudado de mãos muitas vezes, o valor dos instrumentos se tornou questionável. Valorizações sempre dependeram de modelos matemáticos complexos e opacos, mas agora as suposições por trás dos modelos se tornaram insustentáveis.À medida que o valor dos títulos dos fundos hedge desapareceu em um buraco negro estatístico, os bancos que emprestavam dinheiro para eles passaram a exigir mais garantias para seus empréstimos. Não havia mercado para os novos instrumentos, porque os modelos por computador não conseguiam estabelecer seus preços em circunstâncias que não foram previstas. Assim, os fundos tentaram levantar dinheiro liquidando outros ativos como ações, provocando um colapso do mercado de ações, o que minou ainda mais sua "creditworthiness" (capacidade de financiamento).A esta altura, o mercado estava tomado por rumores de falência. Sem saber quem dispunha de bom crédito, os bancos pararam de emprestar uns aos outros e os mercados ocuparam o espaço. Os bancos centrais, o Federal Reserve (Fed) americano e o Banco Central Europeu entre eles, tiveram que injetar centenas de milhões de dólares no mercado para impedir a paralisia. Alguns grandes nomes sofreram baixas. O Bear Stearns, um dos principais bancos de investimento de Nova York, sofreu grandes perdas; e mesmo o Goldman Sachs, o mais poderoso banco de investimento do mundo, teve que injetar US$ 2 bilhões em um fundo que despencou 30% em uma semana.Enquanto o drama se desdobrava, um público confuso se tornou familiarizado com uma série de eufemismos: hipotecas de alto risco eram "sub-prime" (algo como secundárias); investimentos impenetráveis eram "obrigações de dívida garantida".Mas o jargão não podia esconder alguns fatos embaraçosos. Um percentual significativo dos empréstimos era fraudulento: pessoas que tomam o empréstimo mentindo sobre sua renda e bens, ou mesmo sobre se possuem um emprego. Os corretores hipotecários faziam vista grossa e recebiam suas comissões dos emprestadores. Os emprestadores inchavam seus balancetes com empréstimos dúbios e então transferiam rapidamente o risco aos bancos de investimento.Por sua vez, os bancos de investimento criaram instrumentos que eram impossíveis de serem avaliados apropriadamente. Desimpedidas, as agências de crédito abençoaram os investimentos estruturados em troca de taxas mais altas que o habitual. Os bancos de investimento embolsaram a diferença substancial entre o preço das hipotecas compradas dos emprestadores e o preço pelo qual repassavam os investimentos estruturados aos fundos hedge. Os fundos hedge contraíam empréstimos nove vezes acima de seu capital para "preparar" seus modelos de investimento. Fundos de pensão e seguradoras investiram nos fundos hedge para tentar compensar seus desempenhos ruins de investimento e aumentar os retornos para seus detentores de apólices - o que faz com que cidadãos comuns sejam os perdedores finais da história.O Fed estima que os investidores terão perdido entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões no momento em que a poeira assentar - e isto não inclui os processos judiciais obrigatórios. Definitivamente há vítimas.Mas há criminosos? Legiões de reguladores e incontáveis páginas de regras não impediram a ocorrência da crise. Punir os perpetradores será difícil. Algumas cabeças rolaram, incluindo a de Warren Spector, co-presidente do Bear Stearns, e mais fundos provavelmente fecharão. Mas toda a conversa da economia mundial ser fundamentalmente sólida e do risco ser amplamente diluído deixa a sensação desconfortável de que os mercados financeiros mal podem esperar para que a diversão recomece.

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